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Argentina

O lado B da Argentina ou: o lado que os brasileiros não costumam explorar

Já faz bastante tempo que a Argentina se tornou um dos destinos preferidos dos brasileiros. No entanto, a maioria daqueles que decidem passar alguns dias no país, acaba optando por destinos maravilhosos, porém mais comuns, como Bariloche e, principalmente: Buenos Aires.

Claro que o fato de a capital portenha ser uma cidade um tanto óbvia em nossa preferência é justamente por oferecer uma série de opções que agradam em cheio às expectativas. Mas nem só de Casa Rosada, Caminito, Plaza de Mayo e Puerto Madero, são preenchidos os dias de um turista em Buenos Aires.

Além de tango na casa de shows Esquina Carlos Gardel e de um tradicional chá da tarde no luxuoso hotel Alvear (considerado pela Condé Nast Traveller um dos melhores hotéis da América Latina), na lista de atrações imperdíveis na cidade, quem gosta de lugares pouco convencionais vai adorar conhecer o museu Zanjón, no histórico bairro de San Telmo. Este lugar é desconhecido até mesmo por muitos moradores.

Buenos Aires Subterrânea

Quem passa pela Rua Defensa, número 755, se depara com uma casa branca – de tamanho razoável – com uma pesada porta de aço. Do lado de fora não parece haver nada demais, mas ali se encontra uma antiga mansão, o El Zanjón, com mais de vinte quartos, construída em 1830 no coração de San Telmo, o bairro mais antigo de Buenos Aires.

Tuka Pereira
A fachada do El Zanjón, em Buenos Aires

A história do lugar é muito interessante. Em 1985, o bairro era um lugar decadente e um empresário chamado Jorge Eckstein queria mudar aquela realidade. Comprou a propriedade caindo aos pedaços por uma mixaria com intenção de transformá-la em um restaurante.

Quando os operários começaram as obras, o solo cedeu e foi possível perceber que não se tratava de uma casa qualquer. Pouco a pouco começaram a surgir túneis, salões, escadas, paredes, corredores e até objetos. Diante da descoberta de um sítio arqueológico daquela extensão, Eckstein tomou a única decisão possível e continuou a restauração para transformar o lugar em um museu. As obras levaram 20 anos para serem concluídas.

Tuka Pereira
Parte da impressionante estrutura interna

No século 18 aquela região era onde viviam famílias ricas e, tanto aquela propriedade, como várias outras vizinhas, ficavam sobre o riacho “Tercero del Sur”. Para que a água não entrasse nas casas, os túneis foram construídos.

Na época de sua construção, o lugar onde hoje funciona o museu pertenceu a uma abastada família espanhola e, após as epidemias de cólera e febre amarela, foi um cortiço de imigrantes. Em sua história mais recente – antes de ser reformada para virar museu – chegou a ser uma galeria comercial e até um estacionamento.

Tuka Pereira
Foram anos de reformas, mas o resultado foi primoroso

A visita ao lugar oferece um fascinante vislumbre da história da cidade enquanto você a percorre subterraneamente, ou seja, um ângulo completamente inusitado. Corredores, relíquias, túneis, poços, arcos, escadarias, cisternas, encanamentos… Tudo com um toque misterioso de um filme de suspense por conta das muitas salas à meia luz.

Tuka Pereira
Fornalha original encontrada na escavação ao lado de uma obra da época

De quebra, aproveite para visitar o charmoso bairro de San Telmo que é um espetáculo à parte. Todos os domingos, na mesma rua do museu, funciona a popular e colorida feirinha que é um dos destaques do bairro.

O Lado B da Argentina

Bem, se você é daqueles que acredita que já conhece o principal de um país, pois já visitou suas cidades mais famosas, é bom rever seus conceitos. No caso da Argentina há bons motivos para isso. Siga para o norte do país e visite três cidadezinhas que é pouco provável que você já tenha ouvido falar: Cafayate, Purmamarca e Jujuy. Não faz a menor ideia do que estamos falando, não é mesmo?

Quando estiver viajando, aproveite também o caminho, não apenas o destino

A frase acima tem que ser um dos lemas de qualquer viajante que se preze. Para chegar até a simpática cidadezinha de Cafayate, você percorrerá 180 km vindo de Salta e, embora pareça uma distância muito grande, o caminho fará cada quilômetro rodado valer a pena.

Localizada a 1.700 metros acima do nível do mar, Cafayate é conhecida por produzir ótimos vinhos por conta da qualidade de suas uvas cultivadas em altitudes elevadas. Desde o início do século XIX esta região produz vinhos e possui vinícolas de destaque mundial.

Para ir da cidade de Salta à Cafayate é preciso pegar a Rota 68 que passa pela Reserva Quebrada de Las Conchas. O trajeto é um espetáculo à parte e de tão bonito parece saído da tela do cinema, principalmente se houver a sorte de um dia ensolarado. As cores do céu, da estrada, da vegetação, remetem à fotografia de um filme qualquer. Talvez seja apenas influência da informação de que por ali Almodóvar tenha filmado uma das histórias do filme Relatos Selvagens.

Tuka Pereira
O impressionante tom avermelhado que emoldura a estrada forma o cenário perfeito da viagem

Pelo caminho podem ser vistas rochas avermelhadas, cactos gigantescos e formações rochosas sedimentares formadas há milhões de anos. Algumas delas merecem atenção especial dos turistas. São o caso da Garganta Del Diablo e do Anfiteatro que há milhões de anos abrigavam cascatas de água doce que lhes causaram erosão nas rochas, fato que hoje presenteia os visitantes do local com sua formação especial.

Tuka Pereira
Placa aos visitantes

A Garganta do Diabo ganhou este nome por possuir a forma de uma traqueia humana com suas paredes estreitas e elevadas. Esta formação possui rochas acumuladas de cerca de 90 milhões de anos, já seu piso possui rochas duras provenientes de 500 milhões de anos atrás.

Tuka Pereira
Visitantes entrando na Garganta do Diabo

O Anfiteatro fica a apenas 1 km da Garganta do Diabo. O lugar é um espaço com paredes de mais de 20 metros de altura e piso completamente plano ao qual se tem acesso através de uma abertura estreita, como se fosse um portal. Sua forma lhe dá uma excelente acústica. É comum observar os turistas gritando para ouvir o som se propagar. Não seja tímido: faça o mesmo!

Tuka Pereira
A entrada do anfiteatro
Bruno Batista
A acústica do lugar é tão perfeita quando a de um anfiteatro de verdade

Outras formações famosas na Rota 68 são o El Obelisco, o El Ventana, o Los Castillos e o El Sapo. Esta última impressiona pela semelhança com o anfíbio que, na vida real, certamente não sobreviveria em um local tão seco.

Tuka Pereira
A rocha que imita perfeitamente a forma de um sapo

Com cerca de 12 mil habitantes, Cafayate seria uma cidadezinha comum, não fosse o maravilhoso vale do qual faz parte e a fama de seus vinhos. Portanto, qualidades tão impossíveis de serem ignoradas, fazem com que este pedacinho do mundo seja um lugar maravilhoso.

Uma vinícola que vale conhecer por lá é a Bodega El Esteco. No local, o visitante conhece todo processo de fabricação do vinho, desde a plantação e colheita das uvas – passando por detalhes sobre umidade, altitude e clima a tipos de barris, envasamento, entre outros detalhes que são bastante interessantes para quem aprecia a enologia.

Tuka Pereira
Os visitantes recebem um tour para saber como são produzidos os vinhos na bodega
Tuka Pereira
Uvas docinhas podem ser provadas diretamente no pé

A bodega também oferece degustação dos vinhos fabricados no local e o valor varia de acordo com a quantidade que o visitante deseja experimentar. Ainda há um restaurante com pratos que harmonizam perfeitamente com cada um dos vinhos da casa. Já para quem deseja ter uma experiência completa, depois de comer e beber bastante, o local também possui um hotel aconchegante e rústico, mas extremamente elegante.

Tuka Pereira
A comida do local é uma delícia e combinam perfeitamente com os vinhos da casa

Continuando o plano de conhecer um lado B da Argentina sem apelar para passeios óbvios, Purmamarca, na Quebrada do Humahuaca, Província de Jujuy, é outro destino surpreendente. Com apenas 2 mil habitantes, é lá que se encontra uma das obras da natureza mais inusitadas, o Cerro de 7 Cores. Seu nome é este justamente por possuir sete cores distintas e é o que atrai turistas de todas as partes do mundo.

Tuka Pereira
Neste local, ao lado da rodovia, turistas geralmente se aglomeram tentando achar o melhor ângulo para fotografar o belo cerro Sete Cores

Não há uma única pessoa que não fique boquiaberta diante da montanha que parece ter sido cuidadosamente pintada a mão por um artista. No entanto, mesmo que pareçam obra de arte, as cores da colina são uma representação da memória da Terra. As cores são a própria evolução geológica e indicam presença de fósseis e minerais, bem como a idade de cada afloramento colorido.

Os tons azul, verde, violeta e salmão pertencem às rochas mais antigas, surgidas bem antes da formação dos Andes, quando o local ainda era mar. O amarelo e o laranja são de períodos mais recentes. Já as rochas ajudam na identificação dos períodos, por exemplo, as “emendas” das encostas inclinadas datam de mais de 500 milhões de anos e foram unidas pela ação das águas do oceano. Já as formações em tons castanho e creme que são de arenito, foram moldadas pela ação do vento e da chuva.

Continuando a viagem pelo norte da Argentina e mantendo o embalo de belezas naturais únicas e imperdíveis da região, Salinas Grandes provavelmente deve ser o próximo ponto de parada.

A 65 km de Purmamarca, para chegar a Salinas Grandes é preciso pegar a Rota 52 e este trajeto também tem muitos encantos. A começar pelo quão sinuosas são as curvas desta estrada e também pela chance de ver lhamas e vicunhas – animais típicos dos Andes – bem de pertinho.

Tuka Pereira
A sinuosa estrada vista do alto

Nas paradas, é possível perceber que a estrada deixou para trás uma ‘serpente’ de curvas de asfalto que mostra o quanto subimos. Sua altura máxima, que fica em Abra de Potrerillos, chega a 4.170 metros acima do nível do mar e não é incomum encontrar neve caindo por lá para alegria dos turistas.

Tuka Pereira
Sobe-se 4170 metros acima do nível do mar!

Uma vez no alto é preciso descer cerca de 3500 metros para chegar a Salinas Grandes e então, a sinuosa rota 52 corta os 12 mil hectares de área de um imponente deserto branco.

Tuka Pereira
Um deserto de sal onde antes era um lago

Assim como as belas formações rochosas da Quebrada de Las Conchas, Salinas Grandes também se trata da ‘herança’ de um passado, pois nada mais é do que o que sobrou de um lago que secou há milhares de anos.

Tuka Pereira
Importante lembrar de aplicar bastante protetor solar, pois o local reflete o sol e provoca queimaduras

A crosta de sal com cerca de meio metro de espessura é um cenário belíssimo, principalmente quando se dá a sorte de vê-lo após uma noite de chuva. Quando isso acontece, o salar vira um espelho e se junta ao céu formando uma paisagem de beleza espetacular. O único ponto negativo se tiver chovido, é que você inevitavelmente molhará seus pés se estiver usando tênis convencional.

Bruno Batista
Parece que esta jornalista está andando sobre um lago, mas é sal – mesmo assim, neste dia havia chovido e havia água o suficiente para molhar os pés

Mesmo que Salinas Grandes seja um lugar com grande potencial turístico, no local há apenas uma grande loja de suvenir (com várias esculturas de sal) com banheiros químicos nos fundos e mais nada. Não há nenhum lugar para sentar, tomar um café, comer um lanchinho e nem muito menos fazer uma refeição de verdade.

Tuka Pereira
O sal acumulado racha com o passar do tempo/refinarias fazem a extração no local

Outra preciosidade do norte argentino, fica há cerca de 1 hora e meia de Salinas e é um verdadeiro mergulho na cultura e na história do povo da região e do país. O sítio arqueológico de Pucará de Tilcara na vila de Tilcara, na Quebrada de Humahuaca.

Tuka Pereira
A antiga vila Omaguaca invadida pelos Incas

Na língua quechua, Pucará significa “fortaleza” e o Pucará de Tilcara foi erguido pelo povo Omaguaca que habitou a região a partir do século 12. Construída no alto de um morro, a fortaleza resistiu a diversos ataques de invasores por séculos, mas sucumbiu aos incas que devastaram o local no século 15, fazendo com que Pucará caísse no esquecimento.

Nem mesmo quando os espanhóis venceram os incas e fundaram Tilcara há poucos metros da antiga fortaleza indígena, o local foi redescoberto. Somente quando o arqueólogo Juan Bautista Ambrosetti, chegou à região no século 20, Pucará foi reencontrada.

Tuka Pereira
Monumento Histórico Nacional e uma das principais atrações turísticas da Quebrada de Humahuaca

Hoje o local se tornou uma das principais atrações turísticas da Quebrada de Humahuaca e foi declarado Monumento Histórico Nacional. Quando estiver por lá, além de prestar atenção na altura das casas que abrigavam os indígenas, também repare nos cardones, o cacto gigante que se destaca na paisagem.

Tuka Pereira
Os cardones estão espalhado por todos os lugares do norte argentino

Saindo da fortaleza e seguindo em direção ao vilarejo de Tilcara, o lugar parece ter parado no tempo e faz um convite à tranquilidade. Ruas de paralelepípedos, casas simples, cachorros dormem despreocupados, pessoas sorridentes te cumprimentam com um aceno de cabeça.

Reprodução
O simpático vilarejo de Tilcara é um convite ao descanso

Na praça principal, artesãos vendem produtos típicos da região e restaurantes e barzinhos competem entre si deixando escapar um irresistível aroma de comida saborosa. Escolha um deles e se delicie sem culpa com as deliciosas empanadas que são tão populares na Argentina quanto os pães de queijo são no Brasil.

Tuka Pereira
Ir à Argentina e não comer empanadas é como vir ao Brasil e não comer pão de queijo

O norte argentino é, sem dúvida, uma viagem que terá um gosto muito especial para quem gosta de conhecer lugares que não fazem parte de roteiros convencionais.

Onde ficar:

Hotel CasaSur Palermo

Hotel Grace Cafayate

Hotel  Manantial del Silencio

A jornalista Tuka Pereira, do blog Pra Onde Vai Agora?, viajou a convite do Hoteis.com.