A incrível experiência sensorial do restaurante onde todos os garçons são cegos
Matéria escrita por Tuka Pereira para o Hypeness em uma parceria com a Emirates
Como uma pessoa boa de garfo que sou, sempre achei que para saborear verdadeiramente uma bela refeição era preciso utilizar ao menos três dos sentidos: olfato, paladar e visão. Afinal são estes os sentidos que fazem parte da experiência alimentar da grande maioria de nós desde que nos entendemos por gente. No entanto, isso foi por água abaixo em minha recente viagem à Ásia quando visitei um restaurante que serve refeições no escuro.
Não achem que minha motivação para ir ao local foi nobre, que fui em busca de uma experiência sensorial-sobrenatural, ou algo do gênero. Na verdade, eu queria mesmo era ver qual é a graça dessa modinha que tem se espalhado pelo mundo e, olha, confesso que tinha certeza de que acharia tudo uma tremenda babaquice e que sairia falando mal. Então imaginem a minha surpresa ao perceber ter vivenciado – quem diria – uma experiência reveladora.
Antes da escuridão
Pois vamos aos fatos. Peguei um tuk tuk em uma noite completamente engarrafada em Bangkok (nenhuma novidade por lá) e fui para o Dine in the Dark (DID) que fica dentro do hotel Sheraton Grande Sukhumvit. A entrada do local é em um bar bem bonitão e aconchegante com um pequeno palco para apresentações ao vivo. Curti.
Uma hostess lindíssima veio me explicar como as coisas funcionam ali. São quatro pratos (entrada, sopa, refeição principal e sobremesa) e você pode escolher entre quatro opções de menu: asiático, ocidental, vegetariano e um surpresa. As revelações do cardápio ficam por aí e não adianta sondar para saber o tipo de refeição que tem em cada um dos menus que a hostess com cara de princesa da Disney sorri e não diz mais nada.
A única foto que consegui tirar da hostess ficou embaçada
Também é nesse momento que você lista todos aqueles alimentos que detesta e não come nem amarrado. Isso me deixou bem aliviada, mas nem sei bem o motivo, pois eu como até isopor com farinha e eu já havia dito que sou vegetariana. Mas mesmo assim achei legal e pude ver que o processo é bem organizado e que não há riscos de comer o que não gostamos.
A única foto que consegui tirar da hostess ficou embaçada
A princesa, ops, a hostess, também me deu um longo avental preto e trouxe uma caixa preta com chave para que depositar todos os eletrônicos que ‘acendem’ que eu possuía comigo. Deixei celular, câmera e até relógio, pois os ponteiros luminosos também interferem na sala escura onde as refeições são servidas. Portanto, por motivos óbvios, nem preciso dizer que não é permitido fotografar lá dentro do salão escuro, né?
Dentro da escuridão
Tudo esclarecido, ela me acompanhou até a entrada da sala onde um dos garçons veio me guiar. Enormes e grossas cortinas encobrem uma pesada porta e só então entramos no espaço das refeições. O garçom disse para que eu segurasse com a mão direita em seu ombro e me levou até a mesa. Detalhe importante e sensacional aqui: todos os garçons do lugar são cegos e um deles fica responsável por cada mesa do começo ao fim da refeição.
Logo que me sentei e me vi diante da mais absoluta escuridão pude perceber que minha audição se aguçou imediatamente. Como nunca antes em um restaurante, ouvi as pessoas conversando ao redor, ouvi suas risadas, o tilintar dos talheres, os garfos tocando os pratos para pegar a comida, o barulho dos copos todas as vezes que repousavam sobre a mesa. Todas as coisas banais que ignorei nas milhares de outras vezes que fui a um restaurante em minha vida.
Então o jantar começa. O garçom explica onde está colocando cada coisa na mesa: “o prato está no centro, os talheres do lado direito, a bebida do lado esquerdo”… por aí vai. Toda vez que foi servido um novo prato este ritual se repetiu.
Fiquei um pouco tensa com medo de derrubar tudo da mesa, pois se existe uma criatura desastrada nesse planeta, essa sou eu. Para comer, comecei tateando para achar os talheres e depois lentamente para encontrar o prato. Como em todo restaurante sofisticado, eles servem as refeições naqueles pratões, então só para achar a comida no prato já foi um desafio.
Eis uma coisa que eu nunca tinha pensado a respeito, mas que se tornou um motivo de preocupação por alguns minutos: como saber se ainda tinha comida no prato? Fui comendo, comendo e em determinado momento eu não sabia mais se a comida já havia acabado ou se estava espalhada pelo prato. Como é que os deficientes visuais sabem se ainda tem comida no prato, hein? Pois eu não tive dúvidas, meti a mão: a comida tinha acabado mesmo. Com isso tive uma crise de riso que contagiou o restaurante todo. Um monte de gente de todo lugar do mundo começou a gargalhar junto sem ter ideia do que estava acontecendo e eu ria mais e mais… Foi divertido, um tipo de loucura coletiva… Isso durou uns minutos, mas precisei parar porque o garçom trouxe mais comida. Prioridades…
Logo parecia que eu havia criado um tipo de conexão com todos ao redor: a mesa da direita tinha franceses festivos, a mesa em minha frente era de americanos com sotaque do Texas, a mesa de trás tinha ingleses com amigos tailandeses e assim por diante. Quando as pessoas começaram a ir embora resolvi fazer a simpaticona e fui dando tchau e todos respondiam e riam até que todo mundo que saía começou a se despedir de quem ficava. Tipo: “Ah, me deixa ser abobalhado! Ninguém está me vendo mesmo!”.
Voltemos à comida. Lembram que lá no começo eu disse que achava que apenas o olfato, paladar e visão eram os sentidos essenciais para a experiência alimentar? Pois a partir deste jantar percebi que o tato e até mesmo a audição podem ser mais importantes que a visão neste momento. A comida tem formatos e texturas que podem ser compreendidas ao toque da mão e da língua (soou meio pornográfico, eu sei) e não ver o que se come parece acentuar o sabor pelo simples fato de instintivamente colocarmos todos os outros sentidos em alerta. Parece papo de maluco, mas não é.
Em cada um dos pratos saboreados usei todos os ‘recursos’ possíveis para tentar identificar o que era cada alimento. Bati com o garfo para ouvir o barulho que fazia, toquei para saber o formato, senti o cheiro, analisei o sabor e o barulho do alimento se desmanchando a cada mordida… Posso dizer com toda certeza de que esta experiência me permitiu ‘enxergar’ as refeições de um jeito que jamais havia feito antes.
Depois da escuridão
Ao encerrar a refeição o garçom me guiou até a porta e a hostess veio me encontrar e me levou para o bar iluminado. Nos sentamos na mesa e com um tablet na mão ela foi me perguntando sobre o que eu havia percebido sobre cada refeição e me pediu para descrevê-las.
Apenas quando eu terminei de falar sobre o que achava que havia comido ela me mostrou as fotos dos pratos servidos e listou os ingredientes. Isso é feito com todos os clientes e é o único momento em que podemos ver o que comemos no restaurante.
Como num quebra-cabeças imaginário eu fui juntando as peças e lembrando o sabor de cada coisa que comi, mas agora associando tudo às fotos que ela mostrou.
“Desligue a luz, ligue seus sentidos”
E então foi assim que eu, a incrédula, que tinha certeza de que sairia do local desdenhando de mais uma modinha superficial, fui surpreendida. Lição aprendida com esta experiência: nossa capacidade de enxergar e perceber o mundo é infinitamente maior do que apenas aquilo que nossos olhos são capazes de nos mostrar.
250 Sukhumvit Road · Bangkok, Tailândia
De terça a sábado das 18h às 21h30 (último horário para iniciar a refeição)
Valor: 1450 baht (cerca de R$ 130), mas bebidas são cobradas à parte
Todas as fotos © Tuka Pereira / Divulgação