A ‘volta por cima’ que fez de Medellín uma das cidades mais inovadoras do mundo
Em 1988, a revista Time batizou Medellín de ‘A cidade mais perigosa do mundo’ e foi desta forma que ela ficou conhecida por muitos anos. Cidade sede do cartel do famoso Pablo Escobar, Medellín viveu tempos sem lei, onde a violência reinava. Civis, policiais e até mesmo juízes eram assassinados por traficantes e desapareciam da noite para o dia sem deixar rastros.
Mas a cidade já não lembra em nada a Medellín dominada por Escobar entre os anos 80 e começo dos anos 90. Morto pela polícia em 1993, o narcotraficante provavelmente jamais será esquecido na Colômbia, mas atualmente de forma bem diferente. Os vestígios do medo e violência implantado por ele naquela época se dissiparam. Agora Escobar se tornou apenas um personagem que aguça a curiosidade dos turistas que fazem perguntas a seu respeito aos locais e compram camisetas estampadas com seu rosto. Culpa da série Narcos, estrelada por Wagner Moura (e criticado por nove entre dez colombianos por conta do portunhol considerado desastroso).
Em Medellín as coisas começaram a mudar no início dos anos 2000, quando uma parceria entre a Empresa de Serviços Públicos de Medellín (EPM) e a cidade gerou oportunidades econômicas em bairros marginalizados e atraiu atenção e investimento internacional. Foram construídas então uma série de bibliotecas, parques, escolas e realizados aportes em infraestrutura de transporte.
Um novo sistema de metrô público e teleféricos reduziram o tempo de deslocamento e integraram bairros mais pobres, cortados pelas montanhas da cidade, facilitando a vida da população. O modelo de desenvolvimento urbano inclusivo, conectou os cidadãos, quebrando a divisão física entre grupos socioeconômicos. Algo que colaborou, e muito, para a diminuição da violência na cidade.
Mas a redução da desigualdade social através da regeneração dos espaços públicos, construção de novas escolas e parques, foram, talvez, a maior conquista.
O bairro de Pablo Escobar, Santo Domingo – que já foi considerado o mais violento da cidade, e também o mais violento de toda América Latina – é hoje o lar do Parque Biblioteca España, destino de turistas e de moradores, local de aulas gratuitas e de acesso à Internet. São três edifícios de ardósia preta projetados por arquitetos locais e reconhecidos pela Fundação Gates pelo uso de tecnologia para o desenvolvimento da comunidade.
Acessível pelo metrocable, a biblioteca foi inaugurada em 2007 pelos reis da Espanha. O local criou um vínculo entre os diferentes bairros da cidade, fortalecendo um senso de dignidade a áreas que anteriormente não podiam se beneficiar de espaços públicos e serviços culturais de qualidade. De quebra ainda oferece uma das vistas panorâmicas mais bonitas de toda Medellín.
E por falar em inclusão, inovação e atrações turísticas, Medellín abriga, muito provavelmente, as mais famosas escadas rolantes (escaleras eléctricas) e teleféricos urbanos (metrocable) do mundo. Ambos também são considerados – pela própria população – marcos na transição de Medellín de ‘cidade mais violenta do mundo’ para ‘cidade inovadora’ como é conhecida mundialmente hoje em dia. Eles conectam bairros de baixa renda aos nós centrais da cidade, capacitando cidadãos com um grau maior de mobilidade e lhes dando sensação de pertencimento.
Tanto as escaleras quanto o metrocable atraem turistas de todo o mundo e o motivo fica fácil de visualizar uma vez que você se encontre no lugar onde estão localizados estes meios de transporte.
A Comuna 13, uma enorme favela com cerca de 130 mil moradores, por muitos anos foi o centro de uma guerra entre facções, com a população refém da violência. Em 2002, militares colombianos iniciaram o processo de pacificação da área com uma ação batizada de ‘Operação Órion’, quando todos os grupos rebeldes e traficantes da Comuna foram expulsos. Desde então, o bairro começou a sofrer uma transformação impressionante.
No entanto, a partir de 2012, com a inauguração das escadas rolantes, a vida da comunidade teve uma mudança ainda maior: a social. As escadas facilitaram o acesso à mobilidade e passaram a integrar os moradores ao resto da cidade. Crianças, idosos, pessoas com dificuldades motoras e qualquer um que antes levava cerca de meia hora para subir e descer o morro, passou a levar apenas 6 minutos!
Não por acaso, a favela ganhou novos ares. Organizações não governamentais começaram a surgir na comunidade com projetos educativos, dando chance a jovens que antes viviam em situação de vulnerabilidade social. As casas e ruas que antes eram descuidadas começaram a receber atenção dos moradores e hoje são conhecidas por suas cores alegres e limpeza extremas. A arte de rua também é um dos grandes atrativos do local e encanta turistas de todos os lugares do mundo. Outro sucesso é a paleta de manga com limão e sal: imperdoável sair de lá sem provar.
As escadas rolantes da Comuna 13 não são as primeiras construídas ao ar livre (as maiores, segundo o Livro de Recordes, encontram-se em Hong Kong), mas são as primeiras pensadas como solução de mobilidade urbana. As de Medellín possuem seis lances duplos que somam 384 metros lineares, totalizando 350 degraus.
Desde que começou a operar em 2004, o metrocable de Medellín foi integrado ao sistema principal de metrô. Assim como as escadas rolantes, o metrocable também foi implantado para integrar os moradores das encostas com o resto da cidade, porém de uma maneira muito mais abrangente e significativa.
Esses teleféricos, que sobem os dois lados do vale em que se encontra Medellín, percorrem as favelas mais distantes e de difícil acesso nas colinas circundantes e tiveram um impacto social imensurável na cidade.
Com eles, a jornada entre as montanhas ao longo do Vale verde de Aburrá, no qual está envolta a cidade, pode ser feita em questão de 37 minutos, com paradas incluídas. Antes da conclusão dos teleféricos, para ter acesso a seus empregos, educação, saúde e até mesmo compras básicas, as pessoas tinham que fazer uma viagem lenta pela encosta da montanha que levava entre 1,5 e 2 horas usando o sistema de transporte de ônibus convencional.
Para ter um gostinho do que é andar de metrocable, um passeio imperdível pode ser feito a partir da estação San Antônio até o Parque Arví, uma reserva natural e arqueológica localizada entre os municípios de Medellín e Guarne. Para chegar até lá é preciso fazer conexões nas estações Acevedo e Santo Domingo. Durante o trajeto, as cabines voam sobre as casas de Santo Domingo e é possível ter uma vista única do que já fora o bairro dominado por Escobar.
Aos poucos a paisagem vai mudando e Medellín ganhando ares de campo, pois o parque se aproxima. Localizado no extremo leste da cidade, o Arví é uma importante reserva biológica natural para plantas e animais nativos da região. O local é um agradável ponto de encontro de moradores que se reúnem para picnics, trilhas de bicicleta e caminhada.
Aos domingos, há no espaço uma feira de agricultores e artesãos, onde frutas, legumes, flores, lembrancinhas e guloseimas são vendidos.
O parque está repleto de importantes vestígios arqueológicos e estradas de pedra históricas bem conservadas feitas à mão há mais de 200 anos. Algumas delas são ainda mais largas do que as de Cuzco, no Peru. Por conta disso, os projetos em andamento por lá estão sendo executados com bastante cuidado. Engenheiros e equipes de obras tomam medidas para preservar a autenticidade da área, utilizando técnicas de construção antigas, como paredes feitas de tijolos de barro.
Voltando à área urbana, é fundamental lembrar que nenhuma visita a Medellín está completa sem explorar o Museu de Antioquia e a Plaza Botero – onde estão as obras de Fernando Botero, o principal artista do país.
Fernando Botero, autoproclamado “o mais colombiano dos artistas colombianos”, nasceu em Medellín e tem um estilo tão peculiar que foi batizado como ‘Boterismo’, no qual evoca imagens de pessoas e objetos voluptuosos e volumosos, ou seja: rechonchudos e adoráveis.
Na Praça Botero se encontram 23 estátuas de bronze esculpidas e doadas por ele à sua cidade natal. O local é repleto de pessoas que perambulam tirando fotos pelo espaço aberto por onde as estátuas estão espalhadas. Um dos grandes desafios é conseguir tirar fotos das obras sem um turista ao lado, mas vale a pena, pois as estátuas são lindas.
Entre as peças existe uma que carrega uma história bastante triste. Em 1995, uma bomba destruiu completamente a escultura ‘O Pássaro’ posicionada no Parque San Antonio. O atentado realizado por traficantes durante um concerto público matou 23 pessoas. Atualmente a obra danificada está na Praça Botero e foi rebatizada pelo artista de ‘Monumento contra a Estupidez”, mas as pessoas a chamam de ‘Pássaro Ferido’. A seu lado o artista colocou uma estátua idêntica, porém intacta.
Desviando o olhar das gigantes esculturas de bronze existentes na praça, um edifício em estilo neogótico preto e branco chama atenção. Projetado pelo arquiteto belga Agustín Goovaerts, o Palácio da Cultura Rafael Uribe é um dos pontos mais interessantes e belos de Medellín. Os visitantes são livres para passear pelos seus majestosos corredores e pelas salas ornamentadas, algumas das quais exibem exposições de arte rotativas.
Em frente à Praça Botero se encontra o Museu de Antioquia. No local, a principal atração é a coleção de pinturas e esculturas de Fernando Botero, localizado no terceiro andar. A galeria Botero é composta por 12 salas com um total de 118 obras de arte, algumas das quais correspondem a pinturas da coleção particular do artista.
Entre as obras, estão os dois quadros em que Botero retratou as duas versões da morte de Pablo Escobar. Na Colômbia há quem não acredite que o traficante tenha sido morto pela polícia, mas que tenha se suicidado.
Nas exposições permanentes, a sala Colonial e Republicana exibe uma série de obras do período da colônia, como pinturas religiosas. Além de retratos de heróis da Independência, esculturas e fotografias, referindo-se às batalhas e seus líderes, a maioria feita entre o final do século XIX e início do XX.
Uma das salas mais interessantes é a das Cerâmicas Pré-hispânicas à Arte Atual que reúne peças de cerâmicas de diferentes épocas e origens.
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Atualmente não existem voos diretos do Brasil para Medellín, mas companhias aéreas Latam, Avianca e Copa Airlines oferecem o trecho com escala.
A jornalista Tuka Pereira viajou a Medellín a convite do Medellin Convention & Visitors Bureau.